16.11.05

ERA UMA MANHÃ DE SETEMBRO

O Sol apareceu mais cedo nesse dia, pois sabia antecipadamente que eu ia nascer.
Eram cerca de sete e meia, quando a cama pressentindo as dores de parto começou a ranger alto e bom som. Ainda não tinham inventado o stereo por isso rangeu em mono, mas era aceitável.
A minha Mãe com aquela barulheira acordou. O volume estava um bocadinho alto para aquela hora da manhã. Colocou a hipótese que fosse o meu Pai a ressonar, mas não, efectivamente era a cama que já estava a ranger à pelo menos um quarto de hora.
A minha Mãe era uma pessoa muito conhecedora dessas coisas dos partos e percebeu de imediato que aquilo era o toque de alvorada para o meu nascimento.
Logo que a minha Mãe me deu uma hipótese eu saí, pois já estava atrasado (como sempre). Pedi que fechassem um bocadinho os estores. Estava demasiada luz para quem vinha ao mundo de olhos abertos. Esta particularidade marcou-me pela vida fora, pois nunca consegui passar pelo céguinho da Areosa à porta da Igreja dos Congregados. Mas também tinha as suas vantagens, pois conseguia dormir sem levantar suspeitas.
Uma das primeiras coisas que fiz depois de nascer e ter cumprimentado a família toda, foi ir à cozinha beber um copo de água. Era cedo e já fazia calor; mesmo assim saí para o mundo. Fiz-me à vida! Para trás ficava a porta de minha casa, triste e com uma lágrima a escorrer pela caixa do correio.
Ao fundo da rua, uma esquina dobrou-se junto a mim. A minha falta de experiência nestas coisas de andar pelo mundo, revelou-se fatal. A esquina já vinha um pouco por dentro do passeio. O toque foi inevitável indo eu estatelar-me dentro das portas de um bar mais ou menos rasca. Fui recebido com uma calorosa salva de palmas, bravos e olés que eu agradeci com um gesto menos próprio, para o bom nome da profissão que um dia viria a abraçar com ardor!
Ainda eu estava a limpar o meu fatinho azul à porto e já o gerente daquela espelunca rançosa me assediava para ser a Estrela principal da casa. Delicadamente recusei. Queria ir estudar Artes!
Passado algum tempo vim a saber que o Bar abrira falência. O dono apostara tudo em combates na lama! Aquilo deu para o torto e o dinheiro das apostas escorregou para outro bolso.
Admirado com a noticia, escorreguei e caí em cima de um garfo. Na altura eu já tinha ganho algum peso. O pobre garfo ficou com três dentes partidos e ainda hoje só consegue comer puré de batata.
Estes azares iniciais trouxeram uma onda de tristeza e melancolia à minha vida o que me deixou um pouco pegajoso. A mim e ao meu lindo fatinho azul à porto.
Este fatinho ainda hoje está comigo. A ligação umbilical era muito forte. Mesmo tendo perdido um papel secundário num filme a fazer de Pantera cor de Rosa, não me consigo livrar dele. Uma proposta de compra feita por um Super Dragão foi também recusada. Ainda hoje não nos conseguimos separar.
Foi por esta altura que se iniciou a minha carreira artística ligada ao cinema. Desta época ressaltam algumas aparições como figurante junto das estrelas da época: O Rim Tin Tin, a Lassie, a Pipi das meias altas, etc, etc, etc. Mais tarde, já com mais experiência, consegui um pequeno papel num filme sobre a Idade Média. Fazia de Peste!
Andávamos nós em filmagens na zona do Canal da Mancha (que não saía), quando fomos metidos a pique por um obus de uns alemães que estavam por ali também em rodagem contra os aliados. As explosões sucediam-se à nossa volta, até que um obus aliado, nos atirou para fora do teatro de operações. Fomos cair mais à frente junto do Tubarão que também andava por ali a fazer fitas. Fomos recebidos de braços abertos! Como já era hora de almoço ele e o Steven convidaram-nos a todos para um almoço que recusámos. Já estava combinado almoçarmos com o Coppola logo que ele terminasse o Apocalipse.
Enquanto o Coppola não chegava, aproveitamos para recompor o equipamento que estava bastante assustado com todas aquelas explosões! Era sempre muito aborrecido filmar próximo dos tipos das guerras, pois era certo sabido que todo o material de rodagem ficava encolhido com o medo e as imagens muito tremidas por causa das explosões.
Depois de almoço deram-me folga. Aproveitei para passear por ali junto dos actores e das equipas técnicas, o que me deu grande saber.
Estava eu por ali a fazer horas para o jantar quando encontrei a Olívia Palito e o Jack Estripador. Convidaram-me a ir com eles para assistir a umas cenas que o Jack ia rodar. Claro que aproveitei mais esta experiência. Não é todos os dias que se tem a oportunidade de ver o Jack a trabalhar. Alguns que tiveram essa sorte, não se conseguem lembrar de como fora a cena. Eu por mim não queria perder nada. Para isso tinha os olhos bem abertos.
No momento de rodar a cena e sem que nada o fizesse prever, apareceu por ali o Conde Drácula a reclamar que não podia ser. Que aquele pescoço era dele, que se o Jack quisesse que arranja-se os dele, e que mais isto e que mais aquilo, enfim, uma grande confusão. Estava a ficar tarde e aquilo não atava nem desatava. Decidi vir embora. Meti pés ao caminho; estava a fazer-se tarde!
Ao chegar à esquina da minha rua, espreitei com todo o cuidado se ela não iria virar outra vez assim de repente contra mim. Olhei e lá estava a minha velha rua. Com uma sensação de alegria a nascer dentro do peito, caminhei até à porta da minha casa.
Quando parei frente à porta, esta encolheu os ombrais e comovida mastigou umas palavras pela caixa do correio e lá se abriu, caindo para trás com a emoção.
Entrei. Dei as boas noites e perguntei se já tinha a papa feita? O meu Pai estava chateado comigo por eu ter chegado tão tarde para jantar e mandou-me para a cama sem comer! Só aí é que eu reparei que tinha o relógio parado.
Era muito tarde. Já não podiam inscrever-me na escola.
Ficou para muito mais tarde!

10 Mar 82 - Revisto em 15 Nov 05

Lobo

5 Comments:

At 3:03 da tarde, Anonymous Anónimo said...

O importante é alcançar o objectivo, nem que seja ao fim de 23 anos.

 
At 11:59 da tarde, Anonymous Anónimo said...

muito interessante - lembra-me alguns quadros de salvdor dali... rsss

 
At 12:03 da manhã, Anonymous Anónimo said...

muito interessante - lembra-me alguns quadros de salvador dali... rsss

 
At 10:35 da manhã, Blogger Patrícia said...

Chegaste atrasado, mas com muita pressa de viver.
Entraste no mundo num rodopio, mudaste as cores da rua, os sons da cidade. Nada ficou indiferente. Experimentaste a vida, os filmes de outras vidas, os perfumes de muitos amores.
Mas voltaste. Regressaste ao silêncio. Refreaste o rodopio. E recomeçaste do início. De onde pensas que deverias ter partido.Desta vez, sem a mesma agitação. Mas - atrevo-me - com mais emoção.
Que o trilho deste caminho seja mais leve mas ainda assim intenso, como se quer que seja a vida.

 
At 9:26 da manhã, Anonymous Anónimo said...

quando estreia este filme? Não quero faltar...

 

Enviar um comentário

<< Home