9.1.06

NO RIO, JUNTO AO MAR!



Era uma tarde fria de Maio. Carlos e Isabel, sentados no carro, olhavam o rio que desfilava na sua frente as águas de longas viagens, por margens e pontes, ao encontro do mar. Estava quase. A foz do rio era mesmo ali. Tornava-se difícil dizer onde começavam um e terminavam o outro. Era como dois corpos que se fundem num só!
- Como te sentes? Perguntou Carlos.
- Apetece-te sair? Podemos caminhar à beira rio e vamos conversando.
- Não prefiro ficar aqui sentada! Respondeu Isabel.
- Está bem; como te apetecer. Mas como te sentes? Perguntou Carlos de novo.
- Não sei exactamente; é como uma dor que cada vez mais, se vai fechando dentro de mim.
- Se preferires, não falamos disto agora.
- Não, não tem importância. A minha decisão já está tomada! Respondeu Isabel.
- Por muito que queira não posso ter este filho!
- Dói-me muito, custa-me muito, mas não o posso ter!
- Mas é definitiva a tua decisão? Perguntou Carlos
- Sabes que podes contar comigo e com a Teresa para o que for preciso. Nós ajudamos-te a criar o teu filho!
- Eu sei. A minha prima já me tinha dito isso ontem.
- Mas a minha decisão está tomada! Disse Isabel.

António Pedro conheceu Isabel, quando ela foi sua aluna na faculdade. Viviam-se os tempos da revolução e da liberdade. Era tempo de ser. Todos queriam marcar o seu lugar na existência. Ninguém queria ficar parado, a ver a vida passar!
Isabel tinha feito 19 anos à pouco tempo. Com a entrada na faculdade iniciava a descoberta de uma nova vida e uma nova cidade. Pela primeira vez ia viver fora da casa dos pais.
Os seus cabelos louros como trigo, contrastavam com os olhos negros. O seu corpo ondulava ao ritmo do seu caminhar. Não era difícil aos homens pararem, para a admirarem. Era uma mulher muito bonita!
Isabel estava no primeiro ano do curso, juntamente com a sua prima Teresa, que deixara a faculdade de Medicina.
António Pedro era advogado. Partilhava um escritório com outro colega e leccionava uma cadeira de Direito na faculdade. Era um homem que transportava a áurea de revolucionário. Fora preso pela polícia politica do regime salazarista.
O “ar” desprotegido de António Pedro, inspirava as mulheres…
As primeiras trocas de olhares, entre o professor e Isabel, aconteceram numa das aulas. Depois dessas, muitas outras se seguiram.
O primeiro convite, aconteceu depois de uma assembleia de escola. Alguns professores iam jantar num restaurante próximo, e convidaram alguns alunos que se tinham destacado na assembleia, pelas suas intervenções. Isabel e Teresa estavam nesse grupo.
Foram quatro anos de encontros discretos! Isabel já não era aluna de António Pedro, mas este era casado, e continuava a ser professor na Faculdade.
A relação foi crescendo, nos limites do segredo, partilhado com Teresa.
Isabel foi-se especializando na arte da espera. Não reivindicava; esperava! Esperava a disponibilidade de António Pedro; as tardes de amor, na casa emprestada por um amigo.
O casamento de António Pedro, periodicamente passava por pequenas crises. Por vezes, algumas eram mais fortes. Nessas alturas, ficava fora de casa por uns dias. Uma das vezes, foi mais de um mês. Isabel e António Pedro, viajaram para o Algarve. Passaram duas semanas de férias, numa casa alugada, junto ao mar!
Os anos foram passando. Isabel instalou-se definitivamente no Porto. Era mais fácil. Ficava mais perto das disponibilidades de António.
António deixou de dar aulas na faculdade. Antes teve um pequeno romance com uma colega professora. Coisa sem importância.
No seu casamento tinha nascido o primeiro filho!
Do revolucionário de esquerda, já só restava a áurea de combatente, e a namorada, das assembleias de Faculdade.
Isabel e as visitas ao fim da tarde começaram a ficar para trás. As tardes de amor foram desaparecendo!
A adesão ao partido do governo, aconteceu “naturalmente” depois do convite, que lhe foi formulado por um antigo primeiro-ministro. No ano seguinte, foi eleito deputado e mudou-se para Lisboa.
Durante algum tempo, António Pedro ainda veio ao Porto a pretexto de resolver assuntos relacionados com casa de habitação e o escritório de advogado.
Com a notoriedade ganha na politica, era cada vez mais difícil jantar com Isabel. António Pedro era uma figura pública!.
Numa das vindas ao Porto, aconteceu Isabel engravidar. Não que ela não o desejasse. Mas daquela maneira, não. O seu sonho era ficar com António Pedro. Sempre fora! Sempre estivera para acontecer, e sempre fora adiado. Isabel queria um filho com um pai presente e não de momentos! Não era isso, que ela queria para o filho. Sabia muito bem o que era uma vida feita de momentos, de bocados de amor!

- Já fizeste marcação na clínica? Perguntou Carlos.
- Sim já tratei de tudo!
- Tens mesmo a certeza que é isso que queres? Eu e a Teresa estamos do teu lado. Sabes isso não sabes?
- Sim eu sei! Respondeu Isabel
As lágrimas corriam-lhe agora pelo rosto. Isabel chorava baixinho, enquanto as águas desfilavam na sua frente levando tudo para o mar!
Carlos segurou a mão de Isabel com ternura.
Às nove da manhã, Carlos parou o carro e tocou à campainha. Teresa e Isabel desceram.
Rumaram à auto-estrada. Aqueles cinquenta e dois quilómetros foram feitos em silêncio!
Carlos parou à porta da clínica. Teresa e Isabel saíram.
- Vens? Perguntou Teresa.
Carlos preferiu ficar à espera no carro. Aquilo mexia-lhe de uma forma particular. Era amigo de Isabel e ver o seu sofrimento custava-lhe.
Teresa e Isabel eram as suas melhores amigas. Não havia dia nenhum que não estivesse com as “priminhas” como gostava de lhes chamar.
Tinha conhecido Isabel através de Teresa. A capacidade que os dois tinham, para fazerem humor, com tudo e com todos foi os aproximando. Em alguns momentos o gosto entre os dois, foi uma realidade não assumida.
Carlos desfiava pensamentos carregados de “ses”. Dentro da clínica, a sua amiga, encerrava dolorosamente, um capítulo penoso, da sua vida.
A viagem de regresso, foi feita em silêncio. Os quilómetros foram passando devagar. Isabel estava “bem” e ainda debaixo dos efeitos da anestesia.
Naquela manhã de Maio, António Pedro desapareceu da vida de Isabel, juntamente com o filho.
Isabel, foi reconstruindo o tempo com os pedaços de vida que sobraram. Lentamente, foi aprendendo a superar algumas dependências.
Algum tempo depois, os olhos foram-se abrindo à vida. As lágrimas tinham secado, e as dores, estavam guardadas numa caixinha, dentro de um gavetão.
Hoje, vive com um construtor civil, que lhe deu conforto, e um filho. Finalmente, Isabel é mãe!
Carlos e Teresa viveram juntos alguns anos. Hoje estão amigavelmente separados. Por vezes falam ao telefone.
Rejeitando as directivas do partido, o deputado António Pedro, votou favoravelmente a proposta de Lei, sobre a Interrupção Voluntária da Gravidez!

Lobo
08-01-06
16.30

1 Comments:

At 3:05 da tarde, Blogger Patrícia said...

Oi!
Que o meu texto sobre este mesmo assunto não te leve a supor que sou contra!
Entendo que a mulher deve ser capaz e ter a liberdade de fazer o que entender ser melhor na sua vida.
Ter ou não ter um filho, depende da vontade de cada um...
No fundo o mais importante será sempre pensar se a criança terá posssibilidades de vir a ser feliz. (a felicidade importa que todas as outras coisas estejam a funcionar, pelo menos, razoavelmente bem)
Não ser desejada é o princípio de um caminho sinuoso que levará, quase inevitavelmente, à infelicidade.

 

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