1.3.06

“Eu posso levar um tiro…”



De costas voltadas para a esquadra da Polícia, o Aspirante, em cima do “Unimog”, de megafone na mão berrava para os manifestantes:
- “Ó pá, calem-se por favor, eu posso levar um tiro pelas costas! Ouçam por favor”!
A manifestação avançava em direcção à sede da PIDE!
Junto a Belas Artes, tinha uma esquadra da Polícia. Mal pressentiram a manifestação, os guardas entrincheiraram-se lá dentro.
As pedras voaram certeiras em direcção às janelas. As vozes, às centenas, gritavam “Morte ao Fascismo”!

Era a hora da desforra. Tinham sido muitos anos de boca fechada!
O medo calava qualquer um. Quem caía dentro de uma esquadra, não sabia bem o que lhe ia acontecer. Sabia que, boa coisa não era!
As cargas da Polícia de Choque, nas manifestações, não estavam esquecidas!
As pedras continuavam a voar, quando se ouviram os primeiros tiros de Mauser. O recuo foi rápido e geral. Felizmente ninguém fora atingido. A “bófia” não tinha boa posição de tiro. Tinham disparado das janelas do primeiro andar, debaixo de uma chuvada de pedras, e não estavam habituados!
Os militares do “Movimento das Forças Armadas” estavam na rua, para libertarem o País! Nunca mais, ninguém nos ia calar!
As pedras choviam sobre a esquadra! Lançadas de mais longe, mas com força e certeiras!
De um momento para o outro, apareceu o exército. Meia dúzia de homens comandados por um Aspirante. Os militares colocaram-se entre os manifestantes e os polícias. O Objectivo era impedir que a manifestação passasse na porta da esquadra.
Movimento dos Capitães, tentava evitar, que corresse sangue. Já tinha acontecido em Lisboa, junto à sede da Pide, na António Maria Cardoso!
- “Ouçam por favor. Deixem me falar”! Gritava o Aspirante no megafone…
- “ Assassinos, assassinos”! Gritavam os manifestantes, voltados na direcção da esquadra!
- “O Movimento das Forças Armadas, quer evitar o derramamento de sangue”!
- “A manifestação não está autorizada a passar nesta rua, terão que ir por outro lado”! Gritava o jovem Aspirante em cima do Unimog.
Os Polícias voltavam a disparar!
Os manifestantes gritavam agora a plenos pulmões:
- “Assassinos, assassinos”!
O megafone mal se ouvia. O jovem Aspirante tinha o medo espalhado no rosto. De vez em quando olhava para trás, tentando perceber o que estavam os Polícias a fazer!
- “Por favor pá, escutem! Eu posso levar um tiro nas costas”!
- “Por favor escutem…”
De um momento para o outro, toda a gente se encaminhou para uma rua paralela. A manifestação estava de novo a caminho da sede da Pide.
- “Morte à Pide, Morte ao Fascismo”!
O Aspirante ficou para trás, a proteger a esquadra e a recuperar o fôlego – tinha acabado de levar um grande susto! O risco de levar um tiro pelas costas fora bem real!
À uns anos atrás, as marcas das balas, disparadas pelas Mausers dos Polícias, ainda estavam na parede da Biblioteca Municipal. (Não consta que tenham conseguido matar a cultura, embora por vezes pareça)!
Nesse dia 25 de Abril de 1974, o regime Fascista caiu, já podíamos ir para casa…

Ps – Nesse mesmo dia por volta das 21 horas, os manifestantes concentrados junto à sede da Pide no Porto, conseguiram deitar a mão a dois agentes, que fugiram pelo sítio errado. A espera tinha valido bem a pena; eu estava lá!

Lobo

28 Fevereiro 2006
01,13h

4 Comments:

At 4:27 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Como adorava ter vivido o 25 de Abril de 1974 com 18 anos, para poder vivê-lo na sua máxima intensidade! Infelizmente, nesse ano tinha metade dessa idade. Só me foi permitido ver 2 PM's de G3 na mão a guardar a porta principal da câmara de Gaia, antes de sermos, os meus irmãos e eu, fechados a 7 chaves dentro de casa.

Nocas

 
At 7:58 da tarde, Blogger Gabriela said...

Depois de ler tuas palavras, mesmo sem ter vivido o momento tenho certeza de que valeu.

 
At 10:04 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Onde estavas no 25 de Abril de 1974? Pois eu, com menos 10 anos do que tu, no dia 25 de Abril de 1974 às 8h00m estava muito zangada com a minha mãe que não me deixava ir para a escola e que cancelou a minha festa de anos (faço a 26 de Abril)pois não sabia como ia evoluir a situação. Como a minha mãe não conseguia controlar a minha ira, disse para eu ir à janela e ver o que se estava a passar, fiquei espantada, nunca tinha visto "carros" tão grandes a passearem-se pela rua, a minha mãe perguntou:- Percebes agora, porque não podes ir à escola? Eu respondi: - Não...e fiquei amuada no meu canto com o meu cão.
Mais tarde,o meu pai explicou-me que aqueles "carros grandes" eram tanques e que graças a eles e às pessoas que os comandavam passariamos a viver numa democracia.Percebes agora?
-Não..e era preciso estragar a minha festa de anos, não podiam ter escolhido outro dia? O meu pai riu e disse que mais tarde eu iria agradecer não ter tido festa de anos em 1974. Como sempre ele tinha razão, naquele ano com apenas 9 anos a um dia de fazer 10 anos, não fiquei lá muito satisfeita, mais tarde reconheci que ter perdido a minha festa de anos foi por uma boa causa.

 
At 10:44 da manhã, Anonymous Anónimo said...

...e eu ali ao lado. Possívelmente há mesma hora, na alegria frenética e eufórica de que algo de bom estava a acontececer. E, nessa fração de segundo, se calhar abracei-te fervorosamente, e nem sequer te conhecia....Hoje sim.... também sei que continuas a lutar pela tua liberdade, pelos teus ideais,pelo teu crescimento....frenéticamente.....
Força amigo, é por isso que te adoro!.... sabes quem sou??

 

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