25.10.06

Tempo breve…



Já o olhar nos basta
Se calamos as palavras
E dizemos do gostar,
Suave e sereno!
Os olhos falam
Do momento
Dos momentos…
Ternos
Eternos…
Quando as palavras
Serenam a saudade
E os olhos falam do gostar
De sempre
Para sempre…

Lobo
25 Outubro 06

20.10.06

EU VOTO SIM!




Por uma questão de consciência e coerência, eu tomo posição publica a favor do Sim! Não tenho dúvidas sobre qual o lado em que devo estar!
Crime, é ver mulheres sofrerem horrores, por terem o direito de mandar no seu corpo!
Crime, é olhar os olhos dessas mulheres, depois de passarem por essa experiência, e não perceber a dor, que lhes vai na alma!
Crime, é legislar cegamente, sobre aquilo que não se entende nem sente!

Por isso eu voto Sim!

Lobo
20 Outubro 06

17.10.06

Um Ano Depois...



Seria mais um dia de Sol em Salvador da Bahia. Para uns seria um dia igual a tantos outros. Apenas mais um dia de Sol, mas para outros seria um dia terrivel. Talvez até o último dia.
Faz hoje precisamente um ano que a Gabriela estava na paragem do autocarro. Eram 7.30! A qualquer momento o seu transporte ia chegar tal como nos outros dias. Desta vez não chegou! O Senhor do Bonfim olhou para o lado por breves momentos deixando aquelas pessoas sem a sua protecção. Foi o tempo suficiente!
O carro fez a curva com excesso de velocidade, completamente desgovernado. Pela frente apareceu-lhe a paragem do autocarro...
Gabriela estava nessa paragem. Eram 7.30 em Salvador da Bahia.

No chão jaziam dois corpos sem vida.
Gabriela sangrava abundantemente. Estava viva felizmente, mas precisava de ajuda urgente. A sua perna direita quase foi arrancada. Estava apenas presa ao seu corpo por um bocado de carne.
A indicação dada ao hospital era que se preparassem para fazer uma amputação. Contudo, o médico de serviço, talvez respondendo a um apelo do Senhor do Bonfim, apostou em reconstruir a perna da Gabriela.
Foram horas de trabalho e saber técnico. Meticulosamente o médico colocou o osso no seu lugar; reconstruiu os vasos sanguíneos o melhor possivel e por fim cozeu os tecidos. Pontos fortes e largos. A perna necessitava de ser bem presa! Passado um ano, o calvário da Gabriela ainda não terminou.
Em Maio retirou o gesso e teve a primeira decepção. Contrariamente àquilo que ela pensava, não pode andar de imediato.
Hoje, a Gabriela caminha ainda com dificuldade apoiada numa canadiana. O osso foi colocado com um ligeiro desvio, que lhe deixou a perna torta e lhe provoca dores no tornozelo e um enorme inchaço na perna. Diariamente tem que fazer fisioterapia.
A Gabriela no meio de tudo isto teve muita sorte. Mesmo com todos estes problemas, tem a sua perna graças à dedicação de um Médico, que apostou em ajuda-la pelo caminho mais difícil: Salvar a perna!
Encontra-se viva!

No local ficaram dois mortos de imediato, para alem dos outros feridos ligeiros.
Conheci a Gabriela em meados de Dezembro de 2005. Tornámo-nos amigos. Nesse tempo, ela era uma menina de 24 anos, assustada com a vida, tentando entender o que lhe tinha acontecido.
A Gabriela fazia um esforço grande para se agarrar à vida. Tentava descobrir motivos, para todos os dias de manha se levantar e ter um sorriso nos lábios. Foi conseguindo!
Hoje, com o passar do tempo, ela vai descobrindo as limitações do seu corpo e descobrindo também, algumas mazelas novas, consequência ainda do fatídico acidente, mas vai descobrindo também uma outra Gabriela, capaz de lutar pela vida, com uma enorme coragem!
Ganhou ânimo e um sorriso mais largo...
No chão daquela paragem ficaram os seus sonhos de menina, os sonhos dos seus 24 anos!
Apenas se encontrava numa paragem, à espera de um autocarro para ir ganhar o pão de cada dia.
No chão daquela paragem, ficaram também outras vidas, ceifadas por um condutor alcoolizado, que conduzia uma viatura da empresa em que o seu pai trabalha, e que ele pegou abusivamente.
Não sei sequer se tinha licença de condução. Apenas sei, que matou duas pessoas; que quase arrancou a perna de outra, e fez ainda feridos ligeiros.
Para já encontra-se à solta!!!

No local do acidente, não lhe foi feito nenhum teste de despistagem de drogas ou alcool. Foi feito mais tarde em casa, depois de um belo sono!!!!
O assassino de duas pessoas e de lesões irreversíveis noutra, espera julgamento em Liberdade!
A Gabriela, passado um ano, ainda espera que lhe seja feita justiça. Eu como seu amigo também.
Espero que o energúmeno que a deixou neste estado, seja condenado por tudo aquilo que fez.

Que por muitos e bons anos fique dentro da cadeia que é onde deve estar, e já agora, que seja a namorada branca de um preto grandão - daqueles de quase dois metros...

Ps - Este Post e as fotos, foram publicados com autorização da Gabriela Ramos.

Aqueles que lhe quiserem dirigir uma palavra solidária, podem faze-lo em: http://gabiegabi.blogspot.com/

Lobo
17 Outubro 06

6.10.06

Mas tens saudades deles, não tens?




ANTÓNIO - Então o que foi que combinaste com o homem?

PAULO - Combinei ele vir ter aqui à beira da fonte. Em principio não há problema ele é sempre pontual. Ainda não são três horas.

ANTÓNIO - Ainda não. Acho que chegamos um bocado cedo demais.

PAULO - Tem calma que não há problema, daqui a pouco vais ver que ele está aí.

ANTÓNIO - E se aparece por aí a Guarda?

PAULO - Tem calma homem, a esta hora estão a esmoer o rancho. Não é tão cedo que vem cá para fora. Está muito calor. Tem mais sorte que eu!

ANTÓNIO - Sempre podemos dizer que o carro aqueceu.

PAULO - É, fuma um cigarro que isto não vai dar problema.
Tens a certeza que ninguém te seguiu?

ANTÓNIO - Tenho, pelo menos segui as regras. Fui olhando a ver se via alguma coisa suspeita mas não me apercebi de nada.

PAULO - Vieste directamente para aqui?

ANTÓNIO - Não. Primeiro fui ao café do Tio Xico e só depois é que vim para cá, mas antes de sair a vila ainda dei umas voltas e só depois é que vim, e fui sempre dando uma vista de olhos.

PAULO - Tens um cigarro para mim? Já não fumo desde ontem.

ANTÓNIO - Toma lá (tira um cigarro e oferece o maço).


PAULO - Como tem sido as coisas com a casa?

ANTONIO - Agora estão melhor. O senhorio já não anda tão curioso. Acho que ele e a mulher acreditaram mesmo que eu e a camarada Rosa éramos casados.

PAULO - É bom. Convém que não exista a mais pequena suspeita sobre vós, caso contrário está tudo perdido.
"Eles" andam umas feras. O mês passado fizeram umas prisões numa vilória aqui perto.

ANTÓNIO - Não será melhor abrir o capôt (dirige-se para a frente do carro)? Sempre dá menos nas vistas...

PAULO - É, mas a esta hora é dificil aparecer alguém. Com esta torreira só um doido é que andava por aí. (Tira um lenço do bolso e limpa a testa).

ANTÓNIO - Já serão três horas?

PAULO - Para lá com isso das horas que me deixas nervoso! Já te disse que não tarda nada e o homem está por aí!
É um camarada com muita experiência e arranja sempre maneira de trocar as voltas à Guarda.

ANTÓNIO - Não leves a mal estar sempre a perguntar a mesma coisa camarada, mas aquela situação da casa com o senhorio a meter o nariz constantemente deixou-me nervoso.

PAULO - É sempre assim. De cada vez que é preciso mudar de casa, lá vem o rol das perguntas. Há uma que vocês tem que ter muito cuidado, que é: Se não tem filhos?

ANTÓNIO - Essa já ele fez. Foi logo das primeiras…

PAULO - E então que responderam vocês?

ANTÓNIO - Respondemos que a Rosa não podia ter filhos.
Acho que resolvemos o problema logo por ali, que eles nunca mais disseram nada.

PAULO -É. Normalmente resulta. As pessoas tem medo de ofender.

ANTÓNIO - Ó camarada, tu tens filhos?

PAULO - Agora és tu que estás a ser curioso!
António, já te avisei que quanto menos souberes melhor para ti.

ANTÓNIO - Tens razão camarada mas nesta vida de clandestino uma pessoa quase só fala com os camaradas do partido...

PAULO – Ora…
Quando vais para o mar mais o pessoal da companha tens muito com quem falar.
Como queres servir o partido se não falares com os teus companheiros da pesca?

ANTÓNIO - Nisso tens razão, mas o que eu queria dizer era asim, como te hei-de explicar…
Falar assim daquelas coisas mais banais. Sei lá, a mulher os filhos a família. Percebes o que digo?

PAULO - Claro que percebo. Também eu sinto falta de algumas coisas.
Por acaso sabes à quanto tempo não vejo os meus filhos?

ANTÓNIO - Então sempre tens filhos, eu bem que me queria parecer.
Um homenzarrão como tu ia lá não ter filhos. Quantos são?

PAULO - Tenho dois. Um rapaz e uma rapariga. Mas nasceram antes de entrar nesta vida.
Quem é clandestino não pode ter filhos. Uma pessoa dum momento para o outro pode ter que fugir da policia e os filhos são uma complicação.

ANTÓNIO - Mas tens saudades deles, não tens?

PAULO - Claro que tenho...

ANTÓNIO - Qual deles é mais velho, o rapaz ou a rapariga?

PAULO - A rapariga. Vai fazer 13 agora em Julho.

ANTÓNIO - Em que dia de Julho? A minha mãe também fazia anos em Julho.

PAULO - Dia 24 de Julho. Nunca mais esqueço esse dia! Saber que tudo tinha corrido bem...
É daquelas coisas que um homem nunca mais esquece.
Com o rapaz já foi diferente. Nasceu 5 anos depois e logo a seguir tive que desaparecer.

ANTÓNIO - Nunca mais os viste?

PAULO - Vi-os 4 vezes. Os camaradas conseguiram arranjar um encontro de meia hora das duas últimas vezes.

ANTÓNIO - Ouve... (António levanta-se e olha a estrada) Acho que vem aí um carro!

PAULO - Espreita aí para o motor desse lado. (Deslocam-se os dois para a frente do carro).

ANTÓNIO - Paulo...

PAULO - Cala-te! Olha aí para o motor já te disse!

ANTÓNIO - É a Guarda?

PAULO - Não. Já podes descansar. A Guarda não tem carros vermelhos.

ANTÓNIO - Porra assustou-me! Que horas são? Já tem de ser mais de três horas!

PAULO - (olha para o relógio) São três e cinco. Não é tarde.

ANTÓNIO - Mas tens a certeza que ele vem, não tens?

PAULO - Tenho homem! Sossega.

ANTÓNIO - Sim de certeza que vem... Se tu dizes que ele é responsável, então é porque vem. Ele tem filhos como tu?

PAULO - Pára lá com essa história dos filhos!
Isso não é conversa para se ter numa hora destas! Nem destas nem de nenhuma. Isso é assunto que não te diz respeito.

ANTÓNIO - Eu sei tens razão. Desculpa. Esta coisa de estar aqui à espera...

PAULO - Já te disse que tenhas calma. A Guarda não gosta desta caloraça! Vais ver que antes das quatro e meia não saiem da toca.
Arranjas-me mais um cigarro?

ANTÓNIO - Sim, (passa os cigarros) podes ficar com o maço.

PAULO - Não obrigado (devolvendo o maço). Quando chegar à cidade compro.

ANTÓNIO - Ora da cidade vieste tu. Fica lá com os cigarros que eu depois compro antes de ir ao mar.

PAULO - A que horas tens "ordens"?

ANTÓNIO - Antes das sete não é de certeza. O mar tem estado cão!

PAULO - Ó António, já pareces um pescador a falar ah!

ANTÓNIO - É. Nunca pensei vir a conseguir.
A ajuda do Mestre Manel foi muito importante. Ainda me lembro que da primeira vez …
As tripas quase me saltavam pela boca!

PAULO - Por aí já tu vez o que é ir ao mar para ganhar uma côdea.

ANTÓNIO - Tens razão. Se a minha familia soubesse da minha vida agora...

PAULO - Já passam dez minutos! Não é costume o homem atrasar-se. (Paulo levanta-se olhando para o relógio).

ANTÓNIO - Terá havido problema com a policia?
Ele por onde vinha; Pela estrada antiga ou pela nova?

PAULO - Não te sei responder. O que ficou combinado foi ele vir ter aqui junto da fonte. De qualquer modo não é muito importante a estrada por onde ele vem, desde que chegue cá...

ANTÓNIO - Sim tens razão.

PAULO - Tem calma homem, não fiques para aí nervoso.
Senta-te ali na beira da fonte e sossega. Não te adianta estar aí a andar de um lado para o outro e se alguém te vir até vai estranhar.

ANTÓNIO - Eu sei; só que começo a ficar inquieto e aqui também não temos grandes hipóteses de fuga.
Não será melhor fechar o capôt? (Dirigindo-se para a frente do carro).

PAULO - Ora, antes de o carro estar a trabalhar, já a guarda nos tinha cravado de balas.

ANTÓNIO - Mas então que fazemos se houver problema?

PAULO - Tem calma Antonio que não vai haver problema nenhum. Tens mesmo a certeza que ninguém te seguiu?

ANTÓNIO - Tenho já te disse. Se eu disse que tenho é porque tenho; não te parece!
Fiz tudo como de costume e aliás foste tu que me explicaste como proceder.

PAULO - Eu sei muito bem o que te expliquei, não preciso que me lembres. Mas todos os cuidados são poucos!
Para evitar encontros com a policia é que o Partido tem regras de segurança que não podem ser postas em causa!

ANTÓNIO - Eu sei muito bem que o partido tem regras de segurança. Não é preciso estar sempre a falar do mesmo.

PAULO - Calma Antonio. Eu só te lembrei as nossas regras. Sabes muito bem que elas são iguais para mim e para ti.
O nosso partido é feito da igualdade, mas também dos deveres!

ANTÓNIO - Eu sei.

PAULO - Agora quem começa a ficar preocupado sou eu. Já passaram mais de vinte minutos. Começa a ser arriscado estar aqui. Espera vem aí uma motorizada. (Levanta-se e olha para o fundo da estrada).

ANTÓNIO - Então, é ele?

PAULO - Não, não é ele! (Dirigindo-se para junto de António).

ANTÓNIO - Como vamos fazer? Marcamos novo encontro?

PAULO - Acho que é melhor sair daqui. Já deviamos ter ido embora à mais tempo, não tarda a Guarda aparece.

ANTÓNIO - Tens razão. Como vamos fazer.

PAULO - Para já vamos sair daqui.

ANTÓNIO - Sim, mas temos que combinar como vamos fazer.

PAULO - Tenho que falar com outros camaradas e ver se houve problemas com a policia.

ANTÓNIO - Achas que a casa pode estar em perigo?

PAULO - Ora António?
As casas do Partido estão sempre em perigo! Até nós se ficarmos aqui muito tempo estamos em perigo.

ANTÓNIO - Desde o principio que estamos em perigo. Eu bem me parecia que isto não ia correr bem.
PAULO - É melhor tu e a camarada Rosa durante os próximos dias terem o máximo de cuidado.

ANTÓNIO - Achas que queime os papéis que tenho lá em casa?

PAULO - Papéis?!!!

ANTÓNIO - Sim, são alguns livros meus e papéis...

PAULO - Mas tu não sabes que é expressamente proibido guardar papéis nas casas do Partido?

ANTÓNIO - Sim, mas eu e a Rosa...

PAULO - (Paulo interrompe António) - Não digas mais António. Vamos sair daqui imediatamente!
Volta para a vila e aguarda o sinal do costume para marcar novo encontro. Vá vai-te embora. (Paulo dirige-se para a porta do carro)

ANTÓNIO - Paulo eu queria dizer uma coisa...

PAULO - (abrindo a janela do carro) - Eu sei que tu e a Rosa estão a viver juntos António.
Tenham cuidado com crianças... Na próxima falamos disso.

Adeus. Felicidades para vocês.

ANTÓNIO - Adeus Paulo, e obrigado!


FIM

Lobo

28 Abril 2002