27.3.06

Vem para ficar…



Os teus olhos são um convite.
Uma promessa suspensa
Nas palavras não ditas!
Como destinos cruzados,
Queremos sem querer.
Falamos sem dizer aqui,
Que a alma esconde sonhos!

Os teus olhos são um convite.
Para uma viagem do olhar
Pelos corpos inundados do desejo!
Para procurar o tempo de amar,
Para te dizer estou aqui.
Vem para ficar!

Lobo
27 Março 06

24.3.06

Do you read...



Não sei o que aconteceu!
Sempre gostamos os dois, daquele quarto.
Era agradável. Com muita luz!
Gostava de sair daquela cama e por trás das cortinas, espreitar o jardinzinho que ficava em frente.
Gostava de ficar ali. Sentia os teus olhos a descerem pelas minhas costas. Sabia sempre, quando me estavas a espreitar. Sempre achei o teu olhar penetrante…
Não tínhamos muito tempo nosso.
Sempre foi assim. Desde o início.
Sempre soube que o meu tempo estava contado.
Sempre soube que passadas algumas horas, te irias embora.
Eu ainda ficava…
Gostava de ficar ali deitada, a pensar em ti.

- Boa tarde Lisboa. Aqui Papa Alfa Tango 914.
- Boa tarde Papa Alfa Tango 914. Prossiga.
- Papa Alfa Tango 914 sobre o Setubal, nível 160 a subir para 190.
- Papa Alfa Tango 914 recebido. Introduza 2352 no Transponder. Autorizado para Lisboa.

Chegava cedo. O empregado da recepção, já sabia qual era o quarto. O nosso quarto!
Gostava de ficar ali à tua espera. A qualquer momento tu ias chegar.
Chegavas sempre. Podias demorar, mas chegavas sempre. Naqueles momentos eras meu. Não existia mais ninguém.
Era como um sonho que renascia do nada. Partias, mas de novo voltavas. Voltavas para mim. Sempre!

- Aqui Papa Alfa Tango 914.
- Lisboa torre, escuto.
- Papa Alfa Tango 914 a deixar Lisboa e a subir para 220.
- Lisboa torre. Correcto Papa Alfa Tango 914. Avise ao receber VOR de S. Jacinto.
- Lisboa Torre. Serviço de radar termina aqui. Chama Oporto em 126.4 – diga se percebido?
- Papa Alfa Tango 914 - Porto em 126.4 recebido
- Lisboa torre. Afirmativo, Papa Alfa Tango 914.
- Papa Alfa Tango 914. Obrigado Lisboa.
- Lisboa torre. Voa viagem Papa Alfa Tango 914.

Quando entravas no quarto, gostava de rodar lentamente em direcção a ti e sorrir.
Gostava de te sentir já perto de mim. Seguro. Sem perigos.
Finalmente descias para perto de mim. Para os meus braços. Já não eras um sonho. Ali estavas tu de novo. Dentro daquela farda. Com as Asas no peito, brilhando.
As Asas da tua existência, do teu olhar nos céus, à procura do rumo, que te trazia de volta para mim. Sempre!
Sempre voltaste para mim. Por pouco tempo talvez.
Por momentos. Momentos de sonho, mas para mim!

- Papa Alfa Tango 914 está a ouvir? Papa Alfa Tango 914, aqui Oporto torre. Está a ouvir?

Naquele dia não voltaste!
Esperei toda a tarde por ti. O fumo dos cigarros foi escondendo as horas e a incerteza. Não porque, não confiasse em ti. Não, eu sabia que era assim. Por vezes a tua vida era feita de imprevistos. Variantes que à última hora te mudavam o rumo.
A tarde foi-se fechando.
Serenamente a Luz desapareceu e eu sentei-me na beira da cama procurando por ti. Sabia que já não ias chegar.
Já tínhamos falado dos imprevistos, das alterações. A tua vida sempre foi feita com planos, com rotas definidas. Mesmo que não fosse como o previsto, existia uma rota alternativa, um outro momento, um outro tempo, um outro encontro.
Nesse dia não fiquei mais tempo.
Saí! Saí à hora a que costumavas partir de mim, para um outro lugar. Fechei a porta daquele quarto, e desci para o piso inferior. Já começava a ficar tarde.
O empregado fez o seu sorriso cortês. Fazia sempre. Despediu-se com um até um outro dia.

- Papa Alfa Tango 914 está a ouvir? Papa Alfa Tango 914, aqui Oporto torre. Está a ouvir?
- Air Malta 416, this is Oporto control.
- Oporto go ahead.
- Air Malta 416, try to call for us; try to call for us, Papa Alfa Tango 914, please.
- Roger Sir... Papa Alfa Tango 914…, this is Air Malta 416, do you read? Do you read?
- Oporto, negative contact with, Papa Alfa Tango 914!

Partiste para longe de mim!

Papa Alfa Tango 914, do you read?

Lobo
24 Março 06
01.17

22.3.06

UM CÃO CHAMADO JORGE

Jorge
(falando com a amiga de Pedro)
Olá, eu sou o Jorge. Tu podias ficar comigo!
Vá lá, eu sei que tu gostas de cães! Fica comigo.
Vou-te explicar: Esse que está aí, ia a passar e eu chamei-o:
Jorge
(batendo no vidro da montra)
Pssst, vem cá.
Pedro
(olhando para os lados) Eu?
Jorge
Sim tu! Vem aqui dentro!
Pedro
Vou aí dentro para quê?
Jorge
Vem aqui! Ninguém te vai fazer mal.
Pedro
(entrando na loja de brinquedos)
Diz lá.
Jorge
Leva-me daqui!
Pedro
Levo-te daqui como?
Jorge
Por acaso és totó, ou fazes-te? Compras-me e levas-me!
Pedro
E porque é que eu te devo comprar?
Jorge
Porque já estou farto de estar nesta montra. Quero ir para outro lugar.
Pedro
Mas eu não posso ficar contigo.
Queres ficar fechado na minha casa?
Jorge
Ah, não propriamente, mas deve ser melhor que ficar aqui.
Pedro
Mas eu não tenho muito tempo…
Jorge
Já estou farto de estar aqui, com esta gente sempre a olhar…
Vá lá não te custava nada. Quer dizer, custa o preço, mas é pouquito…
Pedro
Mas tu na minha casa vais-te chatear largo…
Jorge
Não chateio nada. Vá lá, eu faço-te companhia.
Pedro
Mas eu nunca estou em casa. Tenho pena mas não posso!
(começa a sair)
Jorge
Espera aí, espera, anda cá. Por acaso não conheces ninguém que goste de cães?
Pedro
Não, não conheço! Que chato! Tenho de ir.
(já quase a ceder).
Jorge
Espera, de certeza que tu conheces alguém.
Se andas na rua conheces muitas pessoas, não é?
Pedro
Ah, não sei, deixa lá ver…
Jorge
Que barulho! És tu a pensar?
Pedro
Que engraçadinho! Olha lá se tens azarito!
Jorge
Calma, calma; era a brincar. De certeza que conheces alguém. Vê bem…
Pedro
Por acaso até acho que conheço.
Jorge
Boa! Boa! Anda leva-me contigo! Anda vai à caixa pagar que eu vou buscar a minha embalagem!
Pedro
Espera aí. És tolo ou quê, eu não disse que te levava.
Jorge
(com ar de preocupação) Mas tu disseste que
conhecias uma pessoa. Portanto podes me levar! Tens dinheiro não tens?
Queres que eu fale com a menina da caixa?
Pedro
Tenho dinheiro. Não é isso…
Jorge
Então o que é?
Pedro
É que a minha amiga já tem um cão.
Jorge
Mas é dos de montra?
Pedro
Não é dos outros mas é giro. É velhinho mas é giro.
Jorge
Ah… Achas que ele me pode fazer mal?
Pedro
Não sei. Não sei se ele, vai achar piada às tuas orelhinhas e as roer
(risinho escondido).
Jorge
Assim … às tantas era melhor ficar em tua casa.
Pedro
Na minha casa não, já te disse! Agora na da minha amiga… mas eu não sei, se ela está para te aturar?
Jorge
Ora eu porto-me bem. Vá lá, leva-me contigo!
Pedro
Não sei… E se a minha amiga não quiser ficar contigo? Fico eu a aturar-te?
Jorge
Ela quer de certeza! Anda lá, leva-me. Posso ir buscar a minha caixa?
Eu meto-me lá dentro e a menina da caixa faz o resto. Vá lá leva-me!
Pedro
E se a minha amiga não quiser ficar contigo?
Jorge
Quer de certeza! Podes confiar, que quer.
Pedro
Não sei se ela tem tempo para ti e se quer ficar contigo… Acho melhor…
Jorge
Não te preocupes que eu falo com ela.
No Problem…
Pedro
És mesmo desatinado! Eu levo-te, mas és tu que vais falar com ela. Não me meto nisso. Se ela não quiser ficar contigo já sabes: Loja outra vez!
Jorge
Calma, calma. Não te preocupes que eu dou-lhe a volta, vais ver…
Pedro
Ai quero ver, quero. Podes ter a certeza meu desatinado.
Jorge
(falando para a amiga)
Vá lá fica comigo. Não queres que eu volte a ficar na montra pois não?
Ficas comigo?

Lobo
29/05/04
03.45h

9.3.06

Para quê? Já passou tanto tempo…



Sabe Senhor, nunca pensei vir aqui parar! São aquelas coisas da vida. Hoje a gente está bem e amanhã…
Aquilo era uma Fábrica boa, depois não se sabe o que aconteceu. O trabalho começou a faltar. Quer dizer, a gente tinha trabalho, só que não era assim certinho como antigamente. Depois os ordenados começaram a atrasar e a vida começou a entortar.
Eu não sei se o Senhor, faz ideia do que isso é? Uma pessoa começa a pedir emprestado hoje, só por uns dias, até a Fábrica pagar. Sabe, uma pessoa está a contar com o dinheirinho no fim do mês, para pagar as coisas, e de um momento para o outro, sai tudo ao contrário. Uma pessoa, começa a ter vergonha de andar na rua. A gente passa, e as pessoas olham prá gente…
Ninguém gosta de estar a dever. Sabe, a gente pede emprestado por necessidade. Se nos pagassem a “féria”, a gente não precisava de pedir nada a ninguém. É pouco, mas a gente lá vai “tenteando” a vida. A mulher também trabalha, e uma pessoa lá vai governando a coisa. Agora quando é assim, é uma desgraça!
A minha desgraça foi quando a fábrica fechou!
Sabe, naquele dia foi uma tristeza muito grande. Parecia que tava a mirrar todo por dentro. O Senhor num imagina como aquilo é. A gente fica meia perdida, sem saber o que fazer. Sabe fica-se meio aparvalhado. A gente num percebe nada, do que se está a passar…
Depois da Fábrica fechar, ainda tentei aguentar a vida. Olhe que nem nas obras, arranjava trabalho! O Senhor não faz ideia, o que é uma pessoa, ir às obras pedir trabalho, e não haver uma porta que se abra. Tá sempre tudo ocupado. Nunca à lugar. Tá sempre tudo cheio! Eles preferem os de fora… Coitados desses. Eles também precisam de ganhar a vida. São gente como nós…
Sabe, quando ia para casa, era como um castigo. O Senhor não imagina, como a gente se sente. A mulher a perguntar: - “Então? Conseguiste arranjar alguma coisa?” Uma pessoa a saber que tem a renda já dois meses atrasada, a conta da mercearia a crescer… Uma pessoa sente vergonha. Muitas vezes eram os vizinhos que traziam qualquer coisa para os miúdos comerem… Sabe, a gente tem tanta vergonha nesses momentos. O Senhor não faz ideia!
Uma pessoa ao princípio, pensa que aquilo é passageiro. A gente está habituada a desenrascar-se, e qualquer coisa se há-de arranjar. O problema é que não se arranja.
Olhe que nem os meses atrasados, nos pagaram! Fecharam as portas e ficamos sem nada!
Foi assim que eu vim parar aqui…
Houve um colega, que não aguentou, e atirou-se da ponte! Eu ainda pensei acabar com tudo, mas quando cheguei à beira do rio, faltou-me a coragem, sabe. Uma pessoa lembra-se dos filhos...
Os filhos ainda é o que custa mais!
O Senhor tem filhos?
Eu já não me lembra bem, como é que foi. Acho que foi depois de ter andado à procura de trabalho. Sabe, táva tão desanimado, que me sentei na beira dum muro e fui ficando ali. Não conseguia ir para casa. Tava tão cansado de tudo…
Já não aguentava aquilo. Sentia-me um falhado. Uma pessoa tem a obrigação de sustentar a família não é? Eu não conseguia!
A Mulher já nem perguntava nada, para quê, não é? Certas coisas, estão na cara, vêem-se logo. Para quê perguntar?
Devia dinheiro a toda a gente!
O Senhor não imagina a vergonha que se sente… Depois as pessoas fazem comentários, começam a chamar caloteiro, e isso dói sabe. Tomara eu, não dever um tostão fosse a quem fosse. Uma pessoa não paga por não poder, e se pedi, foi por necessidade. Eu não tinha trabalho! Ainda hoje sinto vergonha…
Agora ando para aqui. Deixei de ir a casa. Não conseguia. Fui ficando por aqui…
Comecei a ficar ali em baixo, na soleira de uma porta, mas as pessoas chamaram a Policia e tive que sair de lá. Não é por mal, sabe, só que as pessoas não gostam de nos ter ali a dormir, à porta do prédio.
Às vezes, uma pessoa, sente-se um bocado escorraçada por todos, mas depois, a gente habitua-se e vai ficando por aí.
No Inverno com o frio e a chuva é que é mais difícil. Os cartões onde a gente dorme ficam molhados e aí, é que é pior.
Para comer, ao meio-dia, vou ali à “sopa”, ao pé da Câmara. À noite vou aos contentores!
Ali em cima, tem o Supermercado, e eles deitam fora, aquelas coisas que já passou o prazo, e a gente aproveita. Dividimos uns com os outros e trocamos. A gente cá se arranja. Sabe, é melhor que nada.
Outro dia, deram-me uns cobertores. Apareceram aí umas Senhoras com uma carrinha e ofereceram cobertores e café com leite. Veio mesmo a calhar. Nessa noite, estava mesmo muito frio.
É assim a vida de pobre, sabe.
O Senhor vai meter isso lá no seu jornal?
Não meta o meu nome, que eu não quero que os meus filhos saibam que estou aqui.
Para quê? Já passou tanto tempo…
Obrigado por ter estado, este bocadinho, aqui à conversa. Felicidades para si, lá no seu Jornal!

Lobo
9 Março 06
01.16

1.3.06

“Eu posso levar um tiro…”



De costas voltadas para a esquadra da Polícia, o Aspirante, em cima do “Unimog”, de megafone na mão berrava para os manifestantes:
- “Ó pá, calem-se por favor, eu posso levar um tiro pelas costas! Ouçam por favor”!
A manifestação avançava em direcção à sede da PIDE!
Junto a Belas Artes, tinha uma esquadra da Polícia. Mal pressentiram a manifestação, os guardas entrincheiraram-se lá dentro.
As pedras voaram certeiras em direcção às janelas. As vozes, às centenas, gritavam “Morte ao Fascismo”!

Era a hora da desforra. Tinham sido muitos anos de boca fechada!
O medo calava qualquer um. Quem caía dentro de uma esquadra, não sabia bem o que lhe ia acontecer. Sabia que, boa coisa não era!
As cargas da Polícia de Choque, nas manifestações, não estavam esquecidas!
As pedras continuavam a voar, quando se ouviram os primeiros tiros de Mauser. O recuo foi rápido e geral. Felizmente ninguém fora atingido. A “bófia” não tinha boa posição de tiro. Tinham disparado das janelas do primeiro andar, debaixo de uma chuvada de pedras, e não estavam habituados!
Os militares do “Movimento das Forças Armadas” estavam na rua, para libertarem o País! Nunca mais, ninguém nos ia calar!
As pedras choviam sobre a esquadra! Lançadas de mais longe, mas com força e certeiras!
De um momento para o outro, apareceu o exército. Meia dúzia de homens comandados por um Aspirante. Os militares colocaram-se entre os manifestantes e os polícias. O Objectivo era impedir que a manifestação passasse na porta da esquadra.
Movimento dos Capitães, tentava evitar, que corresse sangue. Já tinha acontecido em Lisboa, junto à sede da Pide, na António Maria Cardoso!
- “Ouçam por favor. Deixem me falar”! Gritava o Aspirante no megafone…
- “ Assassinos, assassinos”! Gritavam os manifestantes, voltados na direcção da esquadra!
- “O Movimento das Forças Armadas, quer evitar o derramamento de sangue”!
- “A manifestação não está autorizada a passar nesta rua, terão que ir por outro lado”! Gritava o jovem Aspirante em cima do Unimog.
Os Polícias voltavam a disparar!
Os manifestantes gritavam agora a plenos pulmões:
- “Assassinos, assassinos”!
O megafone mal se ouvia. O jovem Aspirante tinha o medo espalhado no rosto. De vez em quando olhava para trás, tentando perceber o que estavam os Polícias a fazer!
- “Por favor pá, escutem! Eu posso levar um tiro nas costas”!
- “Por favor escutem…”
De um momento para o outro, toda a gente se encaminhou para uma rua paralela. A manifestação estava de novo a caminho da sede da Pide.
- “Morte à Pide, Morte ao Fascismo”!
O Aspirante ficou para trás, a proteger a esquadra e a recuperar o fôlego – tinha acabado de levar um grande susto! O risco de levar um tiro pelas costas fora bem real!
À uns anos atrás, as marcas das balas, disparadas pelas Mausers dos Polícias, ainda estavam na parede da Biblioteca Municipal. (Não consta que tenham conseguido matar a cultura, embora por vezes pareça)!
Nesse dia 25 de Abril de 1974, o regime Fascista caiu, já podíamos ir para casa…

Ps – Nesse mesmo dia por volta das 21 horas, os manifestantes concentrados junto à sede da Pide no Porto, conseguiram deitar a mão a dois agentes, que fugiram pelo sítio errado. A espera tinha valido bem a pena; eu estava lá!

Lobo

28 Fevereiro 2006
01,13h